Rebelião inesperada irrompe no fim de campanha apática na Venezuela
(Foto: Reprodução) |
Visto do céu, o prédio parece uma espécie de nave espacial. Foi construído durante o governo do ditador venezuelano Marco Pérez Jiménez (1953-1958) com a ideia de transformar-se num dos maiores centros comerciais da América Latina. Seu destino terminou sendo bem diferente e hoje o chamado Helicoide é a principal prisão política do Serviço de Inteligência Bolivariano (Sebin). É lá que está ocorrendo uma inesperada rebelião de presos políticos do chavismo, às vésperas das questionadas eleições presidenciais do próximo domingo.
Do lado de dentro, presos que foram espancados juram estar desarmados e exigem a saída dos que já obtiveram ordem de libertação judicial, além do fim de maus tratos por parte de agentes do Sebin. Do lado de fora, Caracas vive seu dia a dia normal, nesta quinta-feira um pouco tumultuada pelo encerramento de campanha do principal candidato do pleito de domingo, o presidente Nicolás Maduro, eleito pela primeira vez em abril de 2013.
De acordo com os detentos e a ONG Foro Penal, 256 prisioneiros participam da rebelião, sendo 54 deles presos políticos. De acordo com o Twitter do ex-prefeito de San Cristóbal, Daniel Ceballos, há pelo menos 59 detentos que nunca foram julgados, além de outros que aguardam exames psicosociais, transferências e extradições, e quatro menores de idade.
No começo da tarde, o bairro de San Agustín, onde está localizada a prisão do Sebin, se vestiu de vermelho. Centenas de pessoas usando camisetas e lenços com a cor — que identifica seguidores do Palácio de Miraflores — circularam pelas ruas próximas do Helicoide, a caminho do ato final de campanha de Maduro. O contraste para quem passou pelo lugar foi impactante.
Enquanto 54 presos, de acordo com dados da ONG Fórum Penal, denunciavam ao mundo a repressão cada vez mais feroz do governo venezuelano e seu aparelho de segurança e inteligência, militantes, espontâneos ou não, do chavismo marchavam para o último evento de campanha do presidente que, ao que tudo indica, será reeleito.
Em Caracas não se sente o clima típico de campanha eleitoral. Não existe entusiasmo, e o que predomina é a apatia e a resignação. Ninguém duvida da reeleição de Maduro, que promete conseguir os 10 milhões de votos que nem mesmo o ex-presidente Hugo Chávez (1999-2012) conseguiu. A sensação é de que tudo está sendo preparado para que o chefe de Estado comemore uma reeleição que grande parte da região já antecipou que não reconhecerá.
A rebelião do Helicoide gera dúvidas sobre quais são os reais motivos que a provocaram ou sobre a existência de uma conspiração maior, nascida dentro do próprio chavismo e promovida por opositores internos de Maduro. Analistas e jornalistas locais se perguntam como é possível que mais de 50 presos políticos ocupem um pedaço, por menor que seja, da principal prisão política do chavismo sem serem reprimidos. Algumas peças desse quebra-cabeças não se não encaixam.
Nos últimos dias circularam informações sobre novas prisões de militares rebeldes e, também, boatos sobre eventuais tentativas de golpe. No meio de tudo isso, o ex-prefeito de San Cristóbal, Daniel Ceballos, lidera um levante de presos que, para alguns analistas, estaria sendo orquestrado por poderes paralelos e teria como objetivo final desestabilizar Maduro. Outros acreditam que a ação busca prejudicar outras figuras de peso do chavismo, como o membro da Assembleia Constituinte e militar reformado Diosdado Cabello, considerado por muitos o homem que manda no Helicoide.
— O problema é que os presos políticos têm dono na Venezuela e só são libertados quando seus donos dão sinal verde — explicou um dirigente político de longa trajetória, que pediu para não ser identificado.
O ruído que vem de dentro do sinistro Helicoide sacudiu a campanha mais desanimada da era chavista e o desfecho da rebelião ainda é incerto.
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